Tribunais de Contas de
Alagoas, Ceará, Piauí e Rio Grande do Sul já identificaram suspeitas em
decretos municipais
Desde o início do ano, uma
onda de decretos de emergência administrativa começou a se espalhar pelas
cidades brasileiras, chamando a atenção dos órgãos de fiscalização. O caso mais
escancarado foi o de Alagoas, onde 32 prefeitos eleitos, quase um terço do
total, alegaram descalabro financeiro e decretaram estado de emergência.
A maior parte dos atos,
porém, apresenta indícios de irregularidade, desde falta de documentação até a
invenção de motivos não previstos em lei. A emergência administrativa
assemelha-se à climática: permite contratações e compras com controles mais
brandos.
Diante das evidências de
fraude em muitos casos, o Tribunal de Contas alagoano abriu processo de
fiscalização especial e anulou, de imediato, 12 decretos com problemas de
documentação. Os demais estão sob análise e o resultado sai no final do mês.
"Fomos surpreendidos
com uma avalanche de decretos emergenciais. Na maioria dos casos, os novos
prefeitos acusam o antecessor de desmandos administrativos", disse ao
Estado o presidente do TCE alagoano, conselheiro Cícero Amélio. "Isso não
justifica decretar emergência. Não basta querer, nem só acusar, é preciso
provar a necessidade e delimitar o alcance do ato."
Segundo apurou o tribunal,
os pedidos muitas vezes embutem o desejo do novo administrador de driblar os
rigores da Lei de Licitações e abandonar contratos do antecessor.
Com receita anual de R$ 140
milhões, o município de União dos Palmares, na Zona da Mata, tem dívidas e está
com os salários do funcionalismo em atraso, mas não está quebrado. Mesmo assim,
o prefeito Beto Baía (PSD) pediu 90 dias de regime de emergência para
"arrumar a casa".
Cajueiro, com 20 mil
habitantes, a 80 quilômetros de Maceió, recebe R$ 46 milhões anuais do Fundo de
Participação dos Municípios e do ICMS que incide sobre a comercialização da
cana-de-açúcar. "O município é pobre, mas pobreza não está entre as razões
de um decreto de emergência", alertou o conselheiro. "É preciso
anexar ao decreto toda a documentação que comprove a situação de caos e
especifique o tipo de contratos que precisam ser firmados em caráter de
emergência."
Calamidade. Em pelo menos um
município alagoano, todavia, a situação é calamitosa. Estrela de Alagoas, de 16
mil habitantes, no Alto Sertão, soma aos rigores da seca uma sucessão de
administrações desastrosas desde 2004, na gestão da ex-prefeita Ângela Garrote
(PP). Presa por envolvimento em dois homicídios, ela foi afastada em 2006 pela
Justiça eleitoral, condenada por ter forjado a separação conjugal com o
ex-marido, a quem sucedera na prefeitura. O vice José Merino, seu aliado,
completou o mandato e foi reeleito para o seguinte, mas deixou as contas em
frangalhos.
Tão logo tomou posse, em 2
de janeiro, o prefeito eleito Arlindo Garrote (PP), filho de Ângela, decretou
emergência, alegando descalabro administrativo e financeiro no município. Só
que a Polícia Federal descobriu que ele e a mãe mandavam na gestão anterior e
estavam por trás de um golpe de R$ 1 milhão, em recursos desviados da saúde. Os
dois estão presos há duas semanas, junto com o vice-prefeito e os secretários
de Saúde e de Finanças. Alegando falta de provas, o advogado Carlos Henrique
Mousinho entrou com pedido de habeas corpus.
Folia. A moda da decretação
de emergência se espalhou. No Piauí, há prefeitos que a usaram para reservar
dinheiro para o carnaval. A Associação dos Membros dos Tribunais de Contas
(Atricon) contabiliza mais de 200 casos em diversas regiões.
No Ceará, a diretoria de
fiscalização do Tribunal de Contas dos Municípios analisa a regularidade nos
decretos de emergências decretados em Cascavel, Forquilha, Groaíras e Santana
do Cariri. No Rio Grande do Norte, o tribunal baixou ato disciplinando as
obrigações para a transição municipal. "A resolução busca dar proteção ao
gestor que vai assumir, ao mesmo tempo em que resguarda o gestor que vai
sair", enfatizou o consultor jurídico Alexandre Lima.
No Rio Grande do Sul, a moda
da emergência administrativa atingiu quatro municípios. O presidente do TCE
gaúcho, Cezar Miola, avisou que fará um pente fino nos demais. "Esses
decretos não poderão servir de argumento para descabidas dispensas de licitação
e desrespeito a contratos regularmente firmados", disse o dirigente.
Fonte:<http://estadao.br.msn.com/ultimas-noticias/pelo-pa%C3%ADs-emerg%C3%AAncia-vira-receita-para-abusos>