Desastres naturais voltam quando os esquecemos.
Torahiko Terada
Em meados do ano de 1940, a Força Aérea Alemã iniciou
intensos bombardeios a alvos civis britânicos, durante a II Guerra Mundial. A
partir desse triste evento, autoridades inglesas padronizaram um conjunto de
procedimentos para minimizar o número de vítimas. O plano ficou conhecido como
Defesa Passiva e atuava basicamente em três frentes: prevenção, alarme e
socorro. Nascia assim a Defesa Civil, utilizada para prevenção de catástrofes
por diversos governos em todo o mundo.
A Defesa Civil é um conjunto de ações preventivas, de
socorro, assistenciais e reconstrutivas. Devem evitar ou minimizar desastres de
qualquer natureza, preservar o moral da população e restabelecer a normalidade
social com a reconstrução dos estragos. A segurança global da população é dever
de Estado, direito universal e responsabilidade cidadã.
Dada sua magnitude, a Defesa Civil tem que ser
administrada pelo poder constituído. O problema é que gestões públicas, via de
regra, primam pela ineficiência da "falta de dono", subtraem informações,
censuram, não têm transparência e tendem a ser autodidatas sem ter o domínio do
problema, gerando insegurança popular em relação ao real status pós tragédias.
Repousa sobre os ombros de autoridades por todo o planeta
a difícil tarefa de estruturar sistemas de prevenção a desastres que funcionem.
Com raras exceções, os sistemas existentes, dos mais sofisticados aos mais
simples, emitem diversos sinais de alerta que em sua imensa maioria são
ignorados ou se perdem nos descaminhos da ineficiência da gestão pública. A ONU
desenvolve uma plataforma global de ações para redução de riscos desde a
Conferência Mundial sobre Redução de Desastres, realizada no Japão em 2005, que
produziu o relatório denominado Hyogo Framework for Action 2005-2015.
Risco é sinônimo de imprevisibilidade, incerteza e
conhecimento restrito de causas e efeitos. Quanto maior o risco, maior o dano
físico, político, econômico, social, ambiental e humanitário envolvido. A
gestão de riscos de desastres naturais e climáticos, não é tarefa fácil pela
sua própria dimensão e complexidade. O Japão, apesar da triste tragédia recente
de terremoto, seguida de tsunamis e do acidente nuclear de Fukushima, é o país
mais preparado no mundo para combater esses tipos de tragédia.
Conseguiu logo após ter detectado o tsunami, avisar a
população sob risco por todos os meios disponíveis, inclusive celulares e redes
sociais, e com isso evitar uma tragédia ainda maior.
Os institutos de meteorologia, juntamente com todos os
que conseguem calcular o nível de rios, oceanos e outras medidas que possam
resultar em catástrofes, precisam estar preparados para identificar riscos e
passar alertas de emergência. De outra parte, defensores civis precisam estar
aptos a receber esses avisos e agir rapidamente em cada caso, por todo entorno
dos riscos. No atual estágio de desenvolvimento tecnológico mundial existem
instrumentos que possibilitam reduzir substancialmente a intensidade dos
desastres e aumentar o nível de segurança global da população envolvida, por um
custo muito inferior ao da corrida armamentista. Além do conhecimento
meteorológico, as tecnologias existentes permitem também conhecer as condições
geológicas de regiões com relevo que oferece algum grau de risco, por meio de
cartas geotécnicas que mapeiam as condicionantes geológicas locais e fornecem
parâmetros para auxiliar o planejamento da ocupação e uso da terra.
Não cabe discutir se alguns eventos extremos são ou não
produto da intensificação das mudanças climáticas por ações humanas. Seja qual
for a razão, os últimos 10 anos estão entre os 12 mais quentes da história do
planeta, de acordo com a Organização Meteorológica Mundial. Em 2010 houve o
maior inverno dos últimos 20 anos no Hemisfério Norte; enchentes recordes no
Sri Lanka, Filipinas, Indonésia, Brasil (Rio de Janeiro), Austrália; chuvas
intensas causadas por monções de verão na Índia e Paquistão; onda de intenso
calor com muitas mortes na Rússia; seca brutal no Rio Negro; clima
excepcionalmente quente na África, Groenlândia, Canadá Ártico e Sul e Oeste da
Ásia. O ano atípico em relação a variações do clima provocou 950 desastres (90
% deles associados a eventos climáticos extremos como enchentes e variações de
temperatura); 296 mil mortos; 208 milhões de afetados; e U$ 130 bilhões de
gastos com remediação. Ou seja, o sistema climático exibiu em 2010 sua aguda
polaridade e foi uma das causas principais do aumento recorde nos preços dos
alimentos, que provocou a revolta do paupérrimo povo egípcio contra seu
presidente ditador, ora deposto.
Um monitoramento de prevenção exemplar é o Centro de
Advertência de Tsunami para o Pacífico, da Administração Nacional de Atmosfera
e Oceanos (NOAA, na sigla em inglês). Com sismógrafos e marégrafos, aparelhos
que registram ondas sísmicas e fluxos e refluxos das marés em um determinado
ponto da costa, respectivamente, calcula-se com precisão o tamanho das ondas e
a área que pode ser atingida por tsunamis. Um sistema de alerta de sirenes em
algumas praias da Indonésia e da Tailândia também serve para alertar a população
do iminente perigo e que deve-se buscar um abrigo seguro, seguindo as rotas de
evacuação de emergência já definidas pela Defesa Civil. No Havaí, há uma
interação com o serviço de monitoramento norte americano capaz de fazer com que
as autoridades locais prevejam dia e hora exatos da próxima erupção de vulcões
como o Kilauea, um dos mais ativos da região e em atividade permanente desde
1983. Além disso, um mapeamento das áreas mais baixas da ilha que podem ser
afetadas por uma erupção e, com alto nível de precisão, permite a remoção
imediata dos moradores em risco.
No Brasil o Sistema Nacional de Defesa Civil - Sindec
infelizmente não consegue cumprir com eficiência tarefas de prevenção e alarme.
Sem mapas detalhados das áreas de risco, sem esclarecimento e treinamento da
população e sem sistema eficiente de alertas preventivos, a Secretaria Nacional
de Defesa Civil - Sedec limita-se a agir depois da tragédia. Chega apenas para
socorrer as milhares de vítimas que escaparam com vida e contabilizar as
centenas de corpos dos que não tiveram a mesma sorte. O CREA do Rio de Janeiro
divulgou um estarrecedor estudo, dando conta que a tragédia das serras
fluminenses poderia ter 80 % menos mortes se os sistemas de prevenção
existentes funcionassem a contento.
A fim de não mais se repetir todos os anos, após as
chuvas de verão, as imagens inefáveis de destruição, o Sindec não pode atuar
somente em medidas paliativas e emergenciais. É um absurdo que o Brasil, com
apenas um perigo natural para administrar, não consiga fazê-lo. O país não se
assemelha a países como Bangladesh, Japão, Austrália, Indonésia ou Tailândia
que lidam amiúde com enchentes, ciclones tropicais, terremotos e tsunamis,
eventos mais devastadores e fatais que as enchentes brasileiras. Os desastres
naturais mais prevalentes no país são Região Norte - incêndios florestais e
inundações; Região Nordeste - secas e inundações; Região Centro-Oeste -
incêndios florestais; Região Sudeste – deslizamento e inundações; Região Sul –
inundações, vendavais e granizo.
A Sedec conta com apenas 110 funcionários no mapeamento
de riscos, enquanto os Estados Unidos têm cerca de 3000 homens só para cuidar
da segurança de seu presidente, que ficou apenas dois dias no Brasil, mas seu
aparato de seguranças chegou 30 dias antes para planejar toda sua estadia em
segurança máxima. Essa comparação escancara o abismo existente entre um país
rico e outro dito emergente. Demorou quatro anos (entre 2004 e 2008), para que
a Sedec mapeasse as áreas de risco em apenas 44 cidades – menos de 1% dos 5.560
municípios brasileiros. Destes, somente sete receberam efetivamente algum tipo
de recurso para obras de prevenção a desastres.
O Conselho Nacional de Defesa Civil - Condec, outra
entidade do Sistema Nacional de Defesa Civil, criado em 1988 para elaborar
diretrizes, está há seis anos sem aprovar nenhuma resolução. Do total de
municípios brasileiros, apenas cerca de 1000 têm organizações de Defesa Civil,
ou seja, de cada 5 municípios, 4 estão com sua sorte lançada ao léu. Outro dado
assustador: somente 74 municípios brasileiros (1,3 % do total), entregaram ou
finalizaram Planos de Redução de Riscos, que são mapeamentos das áreas com
maior possibilidade de incidentes provocados por catástrofes naturais. Não há
planos, não há projetos.
A tragédia na Região Serrana do Rio de Janeiro serviu
para evidenciar deficiências crônicas do Sindec. Já as tempestades que
atingiram três estados da Austrália – as mais fortes em cinco décadas – numa
área equivalente ao tamanho da Alemanha e França somadas, afetaram milhões de
pessoas e deixaram apenas 32 mortos em dois meses de alagamentos. A Defesa
Civil australiana é uma das mais eficientes do mundo. Agiu com rapidez tanto na
prevenção como no alerta e socorro após o desastre, ao executar protocolos e
rotinas de segurança exaustivamente treinadas. Estradas foram fechadas e
famílias foram retiradas das áreas de risco com antecedência, ações preventivas
que pouparam muitas vidas. O número de vítimas na Austrália não se compara com
as cerca de 1400 vítimas fatais no Rio de Janeiro, em apenas oito dias de
chuva.
O Estado do Rio de Janeiro tem uma história de eventos
extremos desde 1966. Em Niterói a prefeitura estava informada, havia seis anos,
por um estudo do Instituto de Geociência da Universidade Federal Fluminense,
dos riscos com a ocupação desordenada de topos de morros e encostas. Em 2007 a
mesma instituição alertou para 142 pontos de risco em 11 regiões – cinco das
quais foram fortemente atingidas pelos deslizamentos do início de 2011.
O despreparo brasileiro para lidar com catástrofes é
evidente nos diferentes níveis do governo. As autoridades constituídas devem
estruturar um sistema nacional de prevenção contra desastres naturais, a
começar pela construção de uma central de gestão de riscos, algo que o Brasil
nunca teve, apesar de compromissos assumidos formalmente em 2005 por Lula. As
razões para a ineficiência do modelo são muitas, mas estão principalmente
ligadas a dois dos mais enraizados e revoltantes vícios da máquina estatal brasileira:
o apadrinhamento dos "amigos do poder" e a alocação política de
verbas. Uma auditoria do Tribunal de Contas da União nas despesas do Ministério
da Integração Nacional, que abriga a Defesa Civil, mostra que, entre 2004 e
2009, os recursos destinados à prevenção de desastres naturais somavam 934
milhões de reais. Somente 356 milhões de reais foram realmente utilizados, e
desse montante, 37% destinaram-se à Bahia. Por coincidência, entre 2007 e
início de 2010, o ministro da pasta era o baiano Geddel Vieira Lima. A absoluta
falta de projetos fez com que a liberação de recursos emergenciais fosse 13
vezes superior ao disponibilizado para prevenção no ano de 2010.
Mas há luzes no fim dos túneis do Rio de Janeiro, onde
desenvolveu uma parceria entre o poder público municipal e a IBM para construir
o Centro de Operações da Prefeitura. Trata-se de um modelo conceitual de cidade
inteligente, inspirado na NASA, para propiciar qualidade de vida aos cariocas.
É o mais avançado centro tecnológico de monitoramento urbano do mundo, similar
aos que estão em funcionamento em Nova Iorque, Paris e Madrid. O local, repleto
de imagens, é um complexo sistema de informações integradas e interligadas,
onde estão presentes 30 órgãos públicos e diversas concessionárias de serviços
e empresas terceirizadas (defesa civil, luz, água, metrô, lixo, meteorologia,
transporte público, entre outros). O trabalho coordenado e interativo desses
órgãos gera dados em tempo real que são compartilhados pela inteligência do
centro a fim de gerar não burocracia, mas ações planejadas de prevenção e
correção de rumos da cidade maravilhosa.
Sim, nós podemos! Por outro lado, o IPT divulgou um
estudo de áreas de alto risco na cidade de São Paulo, onde mais de 75 % das
áreas de alto risco permanecem em 2010 como estavam em 2003, ou seja, ocupadas
à espera de novas catástrofes. Não, nós não podemos!
Enfrentar os efeitos trágicos de mudanças climáticas e
eventos naturais extremos, para proteger as populações mais vulneráveis, deve
ser prioridade máxima de qualquer nação. Não há mais espaço para não
compartilhar e deixar evaporar em nuvens negras a causar desastres toda a rica
tecnologia e know-how desenvolvidos pela inteligência humana sobre o modus
operandi do planeta e seus complexos fenômenos naturais. Se 3000 pessoas de
alto nível podem garantir a segurança física do presidente norte-americano, com
um aparato tecnológico up-to-date, imagine o que pode ser feito para proteger
as demais valiosas vidas humanas. Estados modernos devem identificar e monitorar
áreas de risco para permitir alertas antecipados; assegurar políticas de
prevenção de desastres; usar a ciência, a inovação e a educação para criar uma
cultura de segurança; preparar a sociedade para lidar com desastres naturais; e
não se esquecer de reduzir os fatores de risco mais evidentes.